O JOIO E O TRIGO (Ricardo Moreira)

Jurandir tinha uma vida honesta,
filho de uma doméstica,
ajudava em construção.
E, assim, diversão, lazer e festa
quase sempre eram deixados
pra depois da obrigação.

Não nasceu com estrela na testa,
sua casa, bem modesta,
é o que restou como opção.
Certo dia viu por uma fresta,
da janela do seu quarto,
intensa movimentação.

Como caçadores na floresta,
homens de uma força tática
entravam em “operação”.
Já vira outras vezes só que nesta
o ruído dos blindados
fazia tremer seu chão.

Nessas horas somente o que resta
é esconder-se ou, sei lá,
tentar fazer uma oração.
Não há tempo pra provar que “presta”
e nem para aparar arestas
da própria argumentação.

Ademais, se alguém do morro morre,
quem se importa? Quem protesta?
Passa logo a comoção
Se ficar, a bala come;
o tiro pega se ele corre,
a pele preta atrai a munição.

Em ações de extremo perigo,
distinguir joio do trigo
às vezes causa confusão.
Se der erro, há sempre um texto antigo:
“Vive em bairro ´inimigo´.
se morreu, era ladrão.”

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