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Mostrando postagens de junho, 2022

BENFAZEJO (Ricardo Moreira)

Houve quem achasse um tanto estranho  o  agir daquele cidadão a poucos metros da esquina... Ovelha que destoa do rebanho ou flor que nasce junto a escombros de uma ética em ruínas.   Abria mão de quase todo ganho e, benfazejo, construía em caridade sua rotina, sem olhar pra origem ou tamanho e sem julgar,  como é de praxe no horror que se dissemina.   O amanhã não importa, tampouco o antanho... Espalha a paz, conserta o hoje, as ruas são sua oficina. Dá pão ao faminto; dá ao sujo o banho e, aos enfermos, ele proporciona a vacina.

PAFÚNCIO (Ricardo Moreira)

É comum confirmar-se em jornais o que a arte já anunciou bem lá atrás.  Se, por vezes, isso é involuntário, uns casos são só "tradução de sinais". Antes de virarem reais, já se ouviu em canção, em um filme ou cartaz... as ruínas de estelionatários,  tragédias ou viagens espaciais. Daí a intenção do "ninguém fala mais!", "calem o artista!", "interrompam o prenúncio!" É que o artista antecipa os anais ainda mais se o poder tá nas mãos de um pafúncio.

NEM QUE EU ME DESDOBRE EM TRÊS (Ricardo Moreira)

Eu vivo vendo molecada atrás de bola, mendigo pedindo esmola e loja querendo freguês, mas passarinho implorando por gaiola,  com historinha que não cola,  juro que é a primeira vez. Já vi fracote sem força pra erguer sacola, bunda que no chão se esfola e ao meu salário sobrar mês... ... Quem não tem nem para o feijão querer pistola?! É uma coisa que não rola, sou sincero com vocês. Há quem prefira colchão de espuma ao de mola, guaraná a Coca-Cola,  qualquer língua ao Português... ... Gente feliz ao cortarem verba pra escola e se excitando ao ver gandolas?! Nem que eu me desdobre em três.

O JOIO E O TRIGO (Ricardo Moreira)

Jurandir tinha uma vida honesta, filho de uma doméstica, ajudava em construção. E, assim, diversão, lazer e festa quase sempre eram deixados pra depois da obrigação. Não nasceu com estrela na testa, sua casa, bem modesta, é o que restou como opção. Certo dia viu por uma fresta, da janela do seu quarto, intensa movimentação. Como caçadores na floresta, homens de uma força tática entravam em “operação”. Já vira outras vezes só que nesta o ruído dos blindados fazia tremer seu chão. Nessas horas somente o que resta é esconder-se ou, sei lá, tentar fazer uma oração. Não há tempo pra provar que “presta” e nem para aparar arestas da própria argumentação. Ademais, se alguém do morro morre, quem se importa? Quem protesta? Passa logo a comoção Se ficar, a bala come; o tiro pega se ele corre, a pele preta atrai a munição. Em ações de extremo perigo, distinguir joio do trigo às vezes causa confusão. Se der erro, há sempre um texto antigo: “Vive em bairro ´inimigo´. se morreu, era ladrão.”

DONS DE NOSTRADAMUS (Ricardo Moreira)

Dilermando e Guilhermina já não fazem planos e ela gasta suas horas reformando uns panos  Perguntados, nem os próprios sabem desde quando Ele chega da oficina bravo e reclamando Dilermando acha difícil conviver com humanos, pelo ofício oculta os pensamentos mais insanos... Besta-fera adaptando-se aos centros urbanos, desagrada, tanto faz, aos gregos e aos troianos. Guilhermina às vezes fala com a menina que ela deixou de ser há muitos anos. Pensa que, lá atrás, se entrasse em certa esquina ou quem sabe até sumisse com uns ciganos, não cumprisse desinteressante sina e sempre lamenta não ter dons de Nostradamus. Guilhermina e Dilermando e a maçante rotina... Dilermando e Guilhermina só se suportando.

PONTO FORA DA CURVA (Ricardo Moreira)

Sempre haverá aquele  que destoa do conjunto e nem chamo a atenção pra pedir vela a maus defuntos. Ser quem desafina o coro é possível, e esse é o assunto. E se não é mesmo o escudo aos desaforos? Eu pergunto... Tem milho que resiste ao fogo e ao óleo  e não estoura; tem semente que não brota nem com adubo na lavoura... Tem papel que não sucumbe ao corte da melhor tesoura. Quem somos nós pra julgar se um é "gravata", e o outro é "vassoura"... ... Se o melhor homem do mundo  nasceu numa manjedoura?